Tema 1162 do STJ

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. TEMA 1162/STJ. CRITÉRIO DE BAIXA RENDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO ANTES DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 871/2019. CRITÉRIO DA INSIGNIFICÂNCIA DO VALOR EXCEDENTE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO APÓS A MEDIDA PROVISÓRIA N. 871/2019. NOVO CRITÉRIO OBJETIVO. MÉDIA ARITMÉTICA DOS ÚLTIMOS DOZE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. MODULAÇÃO DE EFEITOS DA DECISÃO.

I. RELATÓRIO

O presente parecer tem como finalidade analisar a tese firmada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema Repetitivo 1162, que consolidou o entendimento da Corte sobre a possibilidade de flexibilização do critério econômico de baixa renda para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado.

A questão jurídica central a ser respondida por este documento pode ser assim formulada: "É possível flexibilizar o critério de baixa renda do segurado para fins de concessão do auxílio-reclusão aos seus dependentes, especialmente considerando as alterações legislativas promovidas pela Medida Provisória n. 871/2019?".

Passa-se, portanto, à fundamentação jurídica para elucidar a questão.

II. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A análise da controvérsia exige uma abordagem detalhada sobre a natureza jurídica do benefício, a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e, fundamentalmente, o impacto da legislação superveniente que alterou os parâmetros para a sua concessão. A tese firmada no Tema 1162 é o resultado dessa evolução e estabelece diretrizes claras para a aplicação do direito em diferentes cenários temporais.

2.1. Natureza Jurídica do Auxílio-Reclusão e o Requisito da Baixa Renda

Inicialmente, cumpre distinguir o auxílio-reclusão de prestações de natureza assistencial. Conforme o entendimento consolidado, trata-se de um benefício previdenciário de caráter contributivo, devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, e não uma prestação de assistência social, que independe de contribuição.

O requisito central para a sua concessão, introduzido pela Emenda Constitucional n. 20/1998, é a condição de baixa renda do segurado. Este critério é aferido com base na renda bruta mensal do segurado no momento do recolhimento à prisão, cujo valor de referência é atualizado anualmente por meio de Portarias Ministeriais, seguindo os mesmos índices aplicados aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

2.2. O Posicionamento do STJ Antes da Medida Provisória n. 871/2019

Antes da alteração legislativa de 2019, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já havia consolidado o entendimento de que era possível, em situações excepcionais, flexibilizar o critério econômico definidor da baixa renda. A Corte entendia que "o limite legal objetivo deve servir como referencial para aferição da baixa renda, não como marco absoluto".

Essa flexibilização se justificava por dois argumentos centrais extraídos da finalidade da própria norma:

  • Finalidade da Norma: A mitigação do critério visava prestigiar a proteção social dos dependentes, que são os verdadeiros destinatários do benefício e que se encontram em situação de vulnerabilidade com o encarceramento do provedor.

  • Critério da Insignificância: A jurisprudência somente admitia a flexibilização quando o valor da renda do segurado excedia o teto legal em um montante "ínfimo ou pequeno", evitando que uma diferença mínima privasse os dependentes de seu sustento.

Nesses casos limítrofes, o princípio da razoabilidade era invocado como parâmetro orientador para o julgador, que deveria exercer maior sensibilidade e bom senso para garantir a justiça no caso concreto, sem desvirtuar o parâmetro objetivo da norma.

2.3. O Impacto da Medida Provisória n. 871/2019 e a Tese do Tema 1162

A Medida Provisória n. 871/2019, posteriormente convertida na Lei n. 13.846/2019, promoveu uma alteração substancial no método de aferição da renda do segurado. O critério, que antes considerava apenas a renda do último mês, passou a ser a "média aritmética simples dos salários de contribuição apurados nos doze meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão".

O STJ interpretou que essa mudança legislativa eliminou a margem para a flexibilização judicial. A Corte entendeu que o novo critério é "mais elaborado" e proporciona uma "avaliação mais equânime", eliminando potenciais injustiças decorrentes da análise de um único mês de renda. Consequentemente, o Tribunal concluiu que, para prisões ocorridas sob a vigência da nova lei, "não há mais espaço para o Poder Judiciário alterar o critério objetivo".

Diante desse cenário, o STJ firmou a seguinte tese no julgamento do Tema Repetitivo 1162:

  1. Regime anterior à MP n. 871/2019: É possível a flexibilização do critério econômico para a concessão do auxílio-reclusão, ainda que a renda mensal do segurado preso, quando do recolhimento à prisão, supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda, desde que o exceda em percentual ínfimo.

  2. Regime posterior à MP n. 871/2019: Não é possível a flexibilização do limite máximo da renda bruta do segurado para a obtenção do benefício de auxílio-reclusão, calculado com base na média aritmética simples dos salários de contribuição apurados nos doze meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão, exceto se o Poder Executivo não promover a correção anual do seu valor pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do Regime Geral.

2.4. Modulação dos Efeitos da Decisão

Visando garantir a segurança jurídica e proteger situações já consolidadas, o STJ decidiu modular os efeitos da tese firmada, especificamente em relação ao segundo item, que veda a flexibilização para prisões ocorridas após a MP n. 871/2019. As regras são as seguintes:

  • Marco Temporal: O novo entendimento, que veda a flexibilização do critério de renda para prisões ocorridas sob a égide da MP n. 871/2019, será aplicado apenas aos recolhimentos à prisão que ocorrerem a partir de 27 de novembro de 2024 (data do início do julgamento, conforme especificado no acórdão), embora o julgamento final tenha sido proferido em data posterior.

  • Irrepetibilidade dos Valores: Não será determinada a devolução de valores já pagos aos dependentes por força de decisões judiciais proferidas antes de 27 de novembro de 2024 que, com base no entendimento anterior, tenham flexibilizado o critério de renda.

Com a análise da fundamentação, torna-se possível extrair as conclusões objetivas sobre a matéria.

III. CONCLUSÃO

Com base na análise jurídica exposta, fundamentada na tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo 1162, responde-se de forma objetiva à questão levantada no relatório inicial.

A possibilidade de flexibilizar o critério de baixa renda para a concessão do auxílio-reclusão depende do marco temporal do recolhimento do segurado à prisão, dividindo-se em dois cenários distintos:

  • Cenário 1 (Recolhimento à Prisão ANTES da vigência da MP n. 871/2019): Para prisões ocorridas antes da referida Medida Provisória, é juridicamente possível a flexibilização do critério de baixa renda. Essa possibilidade, contudo, é excepcional e condicionada à demonstração de que o valor que excede o teto legal é ínfimo, aplicando-se o princípio da razoabilidade para garantir a proteção social dos dependentes.

  • Cenário 2 (Recolhimento à Prisão APÓS a vigência da MP n. 871/2019): Para prisões ocorridas após a vigência da Medida Provisória, não é mais possível a flexibilização judicial do critério de renda. A lei estabeleceu um critério de cálculo objetivo e mais equânime — a média dos últimos 12 salários de contribuição —, que deve ser rigorosamente observado, não cabendo ao Poder Judiciário alterá-lo.

Adicionalmente, ressalta-se a importância da modulação de efeitos determinada pela Corte. O novo entendimento, que veda a flexibilização para prisões ocorridas após a MP n. 871/2019, aplica-se apenas aos recolhimentos à prisão que ocorrerem a partir de 27 de novembro de 2024. Esta medida garante a segurança jurídica das decisões judiciais proferidas sob a égide do entendimento anterior, protegendo situações já consolidadas.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaratinguetá, 30 de novembro de 2025.

EDPO AUGUSTO FERREIRA MACEDO

OAB/SP 489.672

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